Introdução
Na sociedade actual a competência leitora
é uma das mais importantes competências cognitivas e comunicativas. A leitura é
o “veículo” que permite o acesso a todos os outros saberes, quem não tiver um
nível aceitável de literacia não poderá acompanhar a rápida evolução dos
conhecimentos científicos e tecnológicos, a sua vida profissional e pessoal
será seriamente prejudicada, correndo sérios riscos de marginalização.
Até há poucos anos a origem
desta dificuldade era desconhecida, era uma incapacidade invisível, um
mistério, que gerou mitos e preconceitos estigmatizando as crianças, os jovens
e os adultos que a não conseguiam ultrapassar.
Contrariamente à linguagem oral, a
aprendizagem da leitura não emerge naturalmente, necessita de ser ensinada
explicitamente. Quando as crianças iniciam a escolaridade as expectativas de
todos os intervenientes envolvidos no processo de aprendizagem são enormes. A
grande maioria das crianças realiza esta aprendizagem sem esforço e com prazer,
porém, cerca de 5 a 10 por cento, manifestam dificuldades inesperadas e
persistentes que geram sentimentos de surpresa, incompreensão e sofrimento.
A tomada de consciência desta
dificuldade, inesperada e incompreensível, incentivou a realização de inúmeras
investigações com o objectivo de encontrar uma explicação cognitiva e
neurocientífica para os processos mentais envolvidos na aprendizagem da leitura
e da escrita.
Perturbações
da expressão escrita
Mais raramente diagnosticada isoladamente
de outras perturbações de aprendizagem específicas, a perturbação da escrita ou
dificuldade de aprendizagem da escrita, também conhecida por disgrafia e
disortografia, caracteriza - se, genericamente, pela produção de textos
escritos com erros gramaticais ou de pontuação, organização pobre dos
parágrafos, erros ortográficos diversificados e grafia muito pobre.
A
existência de erros ortográficos ou má caligrafia por si só não são suficientes
para o estabelecimento do diagnóstico de perturbação da escrita (APA, 2006).
Normalmente é diagnosticada no decorrer
ou após o segundo ano de escolaridade, já que só nessa altura são adquiridas as
competências de escrita. Como critérios de diagnóstico, o DSM-IV-TR apresenta
os seguintes:
Ø
As aptidões da escrita, medidas através
de provas normalizadas (ou avaliações funcionais das aptidões da escrita),
aplicadas individualmente, situam-se substancialmente abaixo do nível esperado
para a idade cronológica do sujeito, quociente de inteligência e escolaridade
própria para a sua idade;
Ø
A perturbação do Critério A interfere
significativamente com o rendimento escolar ou actividades da vida quotidiana
que requerem a composição de textos escritos (por exemplo, frases escritas
gramaticalmente correctas e parágrafos organizados).
Ø
Se estiver presente um défice sensorial,
as dificuldades nas aptidões de escrita são excessivas em relação às que lhe
estariam habitualmente associadas.” (APA, 2006: 56).
A característica diagnóstica essencial do
Transtorno da Expressão Escrita consiste de habilidades de escrita (medidas por
um teste padronizado individualmente administrado ou avaliação funcional das habilidades
de escrita) acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade
cronológica, a inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo.
A perturbação na expressão escrita
interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida
diária que exigem habilidades de escrita. Em presença de um déficit sensorial,
as dificuldades nas habilidades de escrita excedem aquelas geralmente a este associadas.
Geralmente existe uma combinação de dificuldades
na capacidade do indivíduo de compor textos escritos, evidenciada por erros de
gramática e pontuação dentro das frases, má organização dos parágrafos, múltiplos
erros ortográficos e caligrafia excessivamente ruim.
Este diagnóstico em geral não é dado quando
existem apenas erros ortográficos ou fraca caligrafia, na ausência de outros prejuízos
na expressão escrita. Em comparação com outros Transtornos da Aprendizagem,
sabe-se relativamente menos acerca dos Transtorno da Expressão Escrita e sobre
seu tratamento, particularmente quando ocorrem na ausência de Transtorno da
Leitura.
À exceção da ortografia, os testes padronizados
nesta área são menos acuradamente desenvolvidos do que os testes de leitura ou
capacidade matemática, podendo a avaliação do prejuízo nas habilidades escritas
exigir uma comparação entre amostras amplas do trabalho escolar escrito do indivíduo
e o desempenho esperado para sua idade e QI.
Este é especialmente o caso de crianças pequenas,
das séries escolares iniciais. Tarefas nas quais a criança é solicitada a copiar,
escrever um ditado e escrever espontaneamente podem ser necessárias para o
estabelecimento da presença e extensão deste transtorno.
O Transtorno da Expressão Escrita em
geral é encontrado em combinação com Transtorno da Leitura ou Transtorno da
Matemática. Existem algumas evidências de que déficits de linguagem e
percepto-motores podem acompanhar este transtorno.
A prevalência do Transtorno da Expressão Escrita
é difícil de estabelecer, uma vez que muitos estudos se concentram na prevalência
dos Transtornos da Aprendizagem em geral, sem ter o cuidado de separar
transtornos específicos da leitura, matemática ou expressão escrita. O Transtorno
da Expressão Escrita é raro, quando não associado a outros Transtornos da
Aprendizagem.
Embora as dificuldades na escrita (por
ex., caligrafia ou capacidade de copiar particulamente fracas ou incapacidade
de recordar seqüências de letras em palavras comuns) possam aparecer já na
primeira série escolar, o Transtorno da Expressão Escrita raramente é
diagnosticado antes do final da mesma, uma vez que a instrução formal da
escrita habitualmente ainda não ocorreu até este ponto na maioria dos contextos
escolares.
O transtorno em geral é visível na
segunda série. O Transtorno da Expressão Escrita ocasionalmente pode ser visto
em crianças mais velhas ou em adultos, e pouco se sabe sobre seu prognóstico a
longo prazo.
História
Em 1887, o termo “Dislexia”, foi usado
pela primeira vez, pelo oftalmologista alemão, Berlin, para descrever o caso de
um paciente adulto que, após um acidente vascular cerebral, perdeu a capacidade
leitora, apesar de ter mantido a visão, a linguagem e a inteligência.
Em 1896, o pediatra inglês, Pringle-
Morgan, usou o termo “Cegueira Verbal Congénita”, para descrever o caso de um
jovem de 14 anos que, apesar de ser inteligente, apresentava uma incapacidade
para a linguagem escrita. (Pringle- Morgan, W. 1896).
Em 1917, o oftalmologista escocês,
Hinshelwood, publicou uma monografia sobre esta perturbação. Considerou que a
designação de “Cegueira Verbal” deveria ser reservada para os casos muito
severos e propôs o termo “Dislexia Congénita” para os casos mais leves.
(Hinshelwood, J. 1917).
Nos anos 20, o conceito de “Disfunção
Cerebral Mínima”, veio afectar a categorização das crianças com problemas de
aprendizagem. A dislexia foi incluída num amplo conjunto de perturbações do
desenvolvimento denominadas “Dificuldades de Aprendizagem”. Este conjunto
incluía diversas perturbações como a dislexia, hiperactividade, défice de
atenção, perturbações cognitivas, perceptivas, psicomotoras… Este conceito
globalizante de “Dificuldades de Aprendizagem” criou sérios obstáculos à
investigação sobre a etiologia, diagnóstico, prevenção e terapêutica, não só em
relação à dislexia, mas também em relação a todas as outras perturbações do
desenvolvimento.
Em 1937, o neurologista americano, Samuel
Orton, desenvolveu um trabalho de grande relevância, tendo as suas descobertas
apresentado perspectivas inovadoras. Inicialmente pensou que esta dificuldade
seria causada por um problema no sistema visual (os sinais mais evidentes na
dislexia manifestavam-se na escrita: substituições de letras, erros de
sequência…), tendo utilizado o nome de “Estrefossimbolia”.
Posteriormente,
apercebeu-se da relação entre a dislexia e a linguagem oral, passou a utilizar
a designação de “Alexia do Desenvolvimento”, e preconizou a necessidade de uma
intervenção terapêutica “individualizada, multissensorial, estruturada,
sistemática, sequencial e cumulativa”. (Orton, S.T. 1937).
Em 1949, em homenagem a Orton, foi
fundada a “Orton Dyslexia Association”, percursora da actual “Internacional
Dyslexia Association”. Esta associação tem tido um contributo muito importante
na investigação e divulgação dos conhecimentos científicos. (Leong, C. K. 2000).
Nos anos 30 e 40 verificou-se um
deslocamento das perspectivas neurológicas para as áreas educacionais e
sociais. As dificuldades leitoras passaram a ser entendidas no quadro de
problema social, e não no quadro de um problema médico. (Burt, C. 1937).
Nos finais dos anos 40 e nos anos 50 o
“Instituto de Cegos para as Palavras”, de Copenhaga, começou a estudar, de um
modo mais sistemático, as causas da dislexia e a implementar programas
reeducativos.
Em 1950, Hallgren realizou vários estudos de
famílias com dificuldades de leitura e escrita e criou a designação de
“Dislexia Constitucional”. (Hallgren, B. 1950).
Nos anos 60, sob a influência das
correntes psicodinâmicas, e da pedagogia activa, foram minimizados os aspectos
biológicos da dislexia. As dificuldades leitoras foram atribuídas a
“imaturidade”, problemas emocionais, afectivos e pedagógicos, o que constituiu
mais um obstáculo, não só à investigação, mas também à implementação de
programas reeducativos eficientes.
Nos anos 70 os psicolinguístas identificaram
a estreita relação entre a linguagem escrita e a linguagem falada. A hipótese
da existência de um “défic linguístico”, a nível do processamento fonológico,
começou a tomar forma.
‘‘Os
resultados dos diversos estudos mostraram que as crianças com dislexia
revelavam dificuldades em relacionar o nome das letras com os seus sons, sendo
este um pré-requisito crucial para a descodificação das palavras escritas.’’
(Vellutino, F. 1979).
Em 1992, Hulme e Snowling definiram a
dislexia como “parte de um contínuo das perturbações de linguagem,
caracterizada por um défice no processamento verbal dos sons”. (Hulme, C. &
Snowling, M. 1992).
Os resultados desses estudos vieram
proporcionar uma prova visível e incontornável, da existência de uma “Perturbação
da Leitura e Escrita - Dislexia e Disortografia”, perturbação de génese
neurobiológica, causada por um défice no funcionamento das zonas cerebrais
intervenientes nas actividades de leitura, um défice fonológico.
Em 1968 a Federação Mundial de
Neurologia, decidiu-se pela adopção do termo “Dislexia do Desenvolvimento” e
elaborou a seguinte definição: “Uma perturbação que se manifesta por
dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita, apesar das crianças serem
ensinadas com métodos de ensino convencionais, terem inteligência normal e
oportunidades socio-culturais adequadas. Os problemas são causados por défices
cognitivos básicos que são frequentemente de origem constitucional”.
Em 1994, o “Manual de Diagnóstico e
Estatística de Doenças Mentais”, DSM IV, inclui pela primeira vez, a dislexia
nas perturbações de aprendizagem, utiliza a denominação de “Perturbação da
Leitura e da Escrita” e estabelece os seguintes critérios de diagnóstico:
Ø
O rendimento na leitura/escrita, medido
através de provas normalizadas, situa-se substancialmente abaixo do nível
esperado para a idade do sujeito, quociente de inteligência e escolaridade
própria para a sua idade.
Ø
A perturbação interfere
significativamente com o rendimento escolar, ou actividades da vida quotidiana
que requerem aptidões de leitura/escrita.
Ø
Se existe um défice sensorial as
dificuldades são excessivas, em relação às que lhe estariam habitualmente
associadas.
Em 2000, Hoien e Lundberg apresentaram a
seguinte definição de dislexia: “Dislexia é uma perturbação em certas funções
da linguagem que são importantes para a utilização do princípio alfabético na
descodificação das palavras. Esta perturbação surge, inicialmente, como uma
dificuldade na descodificação automática das palavras no processo de leitura. A
perturbação também se manifesta na capacidade de escrita pobre.
Em 2002, Uta Frith apresenta uma
perspectiva que tem em consideração o contexto cultural e refere que o critério
das manifestações sintomáticas, só por si, parece não ser um critério adequado
para definir a dislexia ao longo da vida. Tal como os comportamentos se
modificam ao longo do tempo, também os sintomas da dislexia melhoram com a
aprendizagem e as intervenções compensatórias, apesar de o défice fonológico,
que lhe está subjacente, persistir ao longo da vida. Apresenta a seguinte
definição: “Dislexia é uma desordem neuro-desenvolvimental, que existe desde o
nascimento, com diferentes manifestações ao longo do desenvolvimento”. Os
conhecimentos acumulados nos diversos estudos sobre dislexia indicam que a
dislexia não é uma perturbação que aparece na idade escolar e que desaparece na
vida adulta, não é uma preocupação exclusiva da infância, é um “fardo” que se
tem que carregar por toda a vida.
Em 2003, a “Associação Internacional de
Dislexia”, em colaboração com os investigadores do “National Institute of Child
Health and Human Development” (NICHD), desenvolveu uma definição para a
dislexia: “Dislexia é uma incapacidade específica de aprendizagem, de origem
neurobiológica. É caracterizada por dificuldades na correcção e/ou fluência na
leitura de palavras e por baixa competência leitora e ortográfica. Estas
dificuldades resultam de um Défice Fonológico, inesperado, em relação às outras
capacidades cognitivas e às condições educativas. Secundariamente podem surgir
dificuldades de compreensão leitora e experiência de leitura reduzida que pode
impedir o desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos gerais”.
Começa a emergir um consenso em relação a
uma definição mais abrangente de dislexia “Dislexia é uma perturbação
neuro-desenvolvimental, de origem biológica, com impacto no processamento da
linguagem, que envolvem uma série de manifestações clínicas. Existem provas da
existência de uma base genética e cerebral e é evidente que as manifestações se
estendem para além dos problemas a nível da linguagem escrita”.
A leitura integra dois processos
cognitivos distintos e indissociáveis: a “descodificação” (a correspondência
grafo- fonémica) e a “compreensão” da mensagem escrita. A compreensão de um
texto só é possível após a sua descodificação, isto é após a transformação,
pelo leitor, dos símbolos gráficos em fonemas, sílabas, palavras com sentido.
A região “Inferior Frontal” é a área da
linguagem oral. É a zona onde se processa a vocalização e articulação das
palavras, onde se inicia a análise dos fonemas. A subvocalização ajuda a
leitura fornecendo um modelo oral das palavras. Esta zona está particularmente
activa nos leitores iniciantes e disléxicos.
A região “Parietal Temporal” é a área
onde é feita a análise das palavras. É a zona onde se processa a análise das
palavras, a correspondência grafo- fonémica, a fusão fonémica e silábica. Esta
leitura analítica processa-se lentamente, sílaba a sílaba.
A região “Occipital Temporal” é a área
para onde convergem todas as informações dos diferentes sistemas sensoriais, e
onde se encontra armazenado o “modelo neurológico de cada palavra”. Este modelo
contem todas as informações relevantes de cada palavra, integra a ortografia,
“como parece”, a pronúncia, “como soa”, o significado, “o que quer dizer”. É a
zona onde se processa o reconhecimento visual das palavras, onde se realiza a
leitura rápida e automática. Quanto mais automaticamente for feita a activação
desta área, mais eficiente é o processo leitor.
Os leitores eficientes utilizam um
percurso rápido, automático, para ler as palavras. Activam, simultaneamente, os
sistemas neurológicos das três regiões e conseguem ler as palavras instantaneamente,
em cerca de 150 milésimos de segundo.
Os leitores disléxicos (com perturbação
da leitura e da escrita) utilizam um percurso lento e analítico para
descodificar as palavras. Activam intensamente o girus inferior frontal, onde
vocalizam as palavras, e a zona parietal-temporal onde segmentam as palavras em
sílabas e em fonemas, fazem a tradução grafo-fonémica, a fusão fonémica e as
fusões silábicas até aceder ao seu significado.
Os diferentes subsistemas desempenham
diferentes funções na leitura, o modo como são activados depende das
necessidades funcionais dos leitores e variam ao longo do seu processo
evolutivo.
As crianças com dislexia apresentam uma
“disrupção” no sistema neurológico que dificulta o processamento fonológico e o
consequente acesso ao sistema de leitura automática. Para compensar esta
dificuldade utilizam mais intensamente a área da linguagem oral, região
Inferior Frontal, e as áreas do hemisfério direito que fornecem pistas visuais.
A “Teoria do Duplo Défice” postula que os
disléxicos, para além do Défice Fonológico, apresentam um “Défice na Capacidade
de Nomeação Rápida”. Este défice interfere negativamente com a velocidade
leitora, constituindo uma dificuldade adicional à dificuldade de descodificação
correcta dos grafemas, sílabas e palavras. Os disléxicos que possuem ambos os
défices apresentam maiores dificuldades na aquisição de uma leitura correcta,
fluente e compreensiva.
A “Teoria do Défice de Automatização”
postula que os disléxicos, apresentam um “Défice Generalizado na Capacidade de
Automatização”. Manifestam dificuldades em automatizar as correspondências fonema-grafema,
as fusões fonémicas, as fusões silábicas, as fusões silábicas sequenciais, e as
tarefas que implicam a motricidade global, fina e a grafomotricidade. Esta
dificuldade generalizada de automatização obriga a um maior treino de leitura a
fim de se conseguir adquirir uma leitura correcta, automática, fluente e
compreensiva.
Etiologia
A etiologia desta perturbação não é clara
e explícita. Deste modo, a maioria dos investigadores concorda com uma
etiologia multifatorial, com componentes genética e ambiental. No geral, esta
perturbação tem manifestações muito heterogéneas, afetando os níveis de
linguagem de forma muito diversificada, pelo que, cada criança irá apresentar
competências e dificuldades particulares, bem como respostas muito diferentes à
intervenção. São caraterizadas por um desenvolvimento de linguagem tardio e
alterado, verificando-se dificuldades em usar formas gramaticais correctas,
recorrência de processos fonológicos, vocabulário abaixo do esperado para a
idade e pouca iniciativa comunicativa.
Esta perturbação dificulta a comunicação,
pois, tipicamente, estas crianças apresentam muitas dificuldades na aquisição
de novos conceitos, na expressão de desejos, sentimentos e opiniões que vão
influenciar todos os processos comunicativos em que participa.
Consequentemente, a forma como estas crianças se relacionam com o meio
(familiar, social, escolar) envolvente é influenciada negativamente. Estas
crianças experienciam frequentemente elevados níveis de frustração, auto-estima
perturbada e com dificuldades ao nível da participação social.
De facto, as competências dos indivíduos
com esta perturbação vão evoluindo com o decorrer do desenvolvimento. Crianças
no pré- escolar podem ter dificuldade em compreender a fala e em se expressar,
o que dificulta o início e a manutenção de uma conversação, demonstrando, por
vezes, ecolália. Estas dificuldades podem manter-se na idade escolar, às quais
são adicionadas dificuldades ao nível da leitura e escrita, da compreensão de
conceitos abstractos e das dificuldades em fazer uma narrativa coerente.
O Terapeuta da Fala tem um papel
importante no tratamento desta perturbação, com uma avaliação que permita
compreender as competências comunicativas e linguísticas de cada indivíduo e
com uma intervenção cujos objectivos vão ao encontro das necessidades
comunicativas e linguísticas, com impacto a nível social, educacional, emocional,
entre outros.
Diagnóstico
Um transtorno apenas de ortografia ou
caligrafia, na ausência de outras dificuldades da expressão escrita, em geral
não se presta a um diagnóstico de Transtorno da Expressão Escrita. Quando a má
caligrafia se deve a um prejuízo na coordenação motora, cabe considerar um diagnóstico
de Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação. Este diagnóstico não é atribuído se apenas existirem
erros ortográficos ou apenas má caligrafia. A avaliação do prejuízo nas habilidades
de escrita pode exigir uma comparação entre amostras amplas do trabalho escolar
escrito do indivíduo, do desempenho esperado para a idade e do QI.
Esta perturbação existe especialmente em crianças
que frequentam os primeiros anos da escolaridade obrigatória. Para estabelecer
a presença e extensão da perturbação pode ser necessário dar às crianças
tarefas em que se lhes pede para copiar, escrever ditados e escrever espontaneamente.
Os
sintomas específicos e tratamento da
Perturbação
da Expressão Escrita
As aptidões de escrita, medidas individualmente
por testes padronizados (ou avaliações funcionais das habilidades de escrita),
são substancialmente abaixo do nível esperado para a idade cronológica da pessoa,
da inteligência medida e a idade apropriada educação.
Os sintomas interferem significativamente
no rendimento escolar ou em actividades da vida diária que exigem a composição
de textos escritos (por exemplo, escrever frases gramaticalmente corretas e
parágrafos organizados). Se um défice sensorial está presente, as dificuldades
de escrita são superiores aos normalmente associados com ele, é raro existir o
diagnóstico de perturbação de escrita sem existirem problemas de leitura e cálculo.
No passado, os Terapeutas da Fala intervinham
essencialmente no desenvolvimento da fala (articulação) e da linguagem oral,
enquanto que outros profissionais (e.g. Professores de Educação Especial)
trabalhavam as questões relacionadas com a leitura e a escrita.
Actualmente o papel e responsabilidade do
TF nas competências de leitura e escrita é muito mais vasto. Esta transformação
deu-se porque existe uma íntima relação entre o desenvolvimento da linguagem e
a leitura e a escrita, o que exigiu uma especialização também nas áreas da
literacia. São múltiplas as causas das perturbações da leitura e da escrita,
pelo que se seguem abaixo algumas alterações relacionadas com a intervenção em
Terapia da Fala.
A escrita e a leitura baseiam-se num princípio
simples: a cada fonema (som) corresponde um grafema (letra). Se uma criança
produz um som incorretamente, é muito provável que esse erro se venha a traduzir
na escrita. Por exemplo, uma criança que não diga o som /r/ (de aranha),
poderá omitir esse som quando escreve, uma vez que não o diz.
A Terapia da Fala poderá ajudar, não só corrigindo
a articulação verbal, mas também aumentando a consciência da presença do som
alterado nas palavras, para que possam ser ditas e escritas corretamente.
Existem crianças que falam corretamente, ouvem
bem, mas têm dificuldades na Leitura e na Escrita. Cometem erros de escrita e
têm dificuldade em consolidar os casos particulares de leitura e escrita.
Nestes casos, habitualmente, não é o
facto de serem corrigidos n vezes que impede que os mesmos erros voltem a ser cometidos.
Isto, porque a base dos erros não se encontra na capacidade de estabelecer a correspondência
grafema (letra) - fonema (som). Se não está na fala, nem na correspondência
fonema-grafema, onde está o problema?
A dificuldade está na discriminação auditiva
dos sons da palavra, ou seja, no processamento que o cérebro faz dos sons da
palavra. Os erros de escrita com origem na discriminação auditiva acontecem habitualmente
com sons que são muito parecidos (s/ch; s/z; z/j; t/d; p/b, f/v, etc).
Por exemplo, uma criança que escreve
“souriço” em vez de chouriço, “caissa” em vez de caixa (escreve o som / ch/ como / s/) tem
dificuldade em discriminar os sons /ch/ e / s/ nas palavras. Embora ouça bem as
palavras, o cérebro tem dificuldade em detetar a pequena diferença que existe entre
os dois sons.
A Terapia da Fala tem um papel fundamental
e especializado ao nível da discriminação auditiva e consciência fonológica. A
adequação destas capacidades permitirão à criança distinguir os diferentes
sons, detetar corretamente a sua presença e, por fim, realizar uma correta
associação entre o som e a letra correspondente.
O conhecimento especializado dos Terapeutas
da Fala permite-lhes desenhar programas de literacia adequados a cada criança. Na
Terapia da Fala, podem ser trabalhadas várias áreas que têm influência nas capacidades
de leitura e escrita, tais como: a clareza na expressão das ideias (vocabulário,
estrutura frásica, flexão verbal, …); a compreensão e retenção do material lido
(diferenciar a ideia principal dos detalhes, compreender a informação principal,
estabelecer ligações entre informação); a capacidade de consciência fonológica (descodificar
os sons de palavras, manipular sílabas, segmentar as palavras em sílabas e
fonemas, …).
Conclusão
Com base no foi visto anteriormente
chegou-se a concluir que a perturbação da escrita ou dificuldade de
aprendizagem da escrita, também conhecida por disgrafia e disortografia,
caracteriza - se, genericamente, pela produção de textos escritos com erros gramaticais
ou de pontuação, organização pobre dos parágrafos, erros ortográficos
diversificados e grafia muito pobre.
A característica diagnóstica essencial do
Transtorno da Expressão Escrita consiste de habilidades de escrita
acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a
inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo.
A perturbação na expressão escrita
interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida
diária que exigem habilidades de escrita. O Transtorno da Expressão Escrita é
raro, quando não associado a outros Transtornos da Aprendizagem como por
exemplo o da leitura.
Embora as dificuldades na escrita possam
aparecer já na primeira série escolar, o Transtorno da Expressão Escrita
raramente é diagnosticado antes do final da mesma, uma vez que a instrução
formal da escrita habitualmente ainda não ocorreu até este ponto na maioria dos
contextos escolares.
Esta perturbação dificulta a comunicação,
pois, tipicamente, estas crianças apresentam muitas dificuldades na aquisição
de novos conceitos, na expressão de desejos, sentimentos e opiniões que vão
influenciar todos os processos comunicativos em que participa.
Os sintomas interferem significativamente
no rendimento escolar ou em actividades da vida diária que exigem a composição
de textos escritos (por exemplo, escrever frases gramaticalmente corretas e
parágrafos organizados).
A Terapia da Fala poderá ajudar, não só
corrigindo a articulação verbal, mas também aumentando a consciência da
presença do som alterado nas palavras, para que possam ser ditas e escritas
corretamente. Esta mesma terapia tem um papel fundamental e especializado ao
nível da discriminação auditiva e consciência fonológica. A adequação destas
capacidades permitirão à criança distinguir os diferentes sons, detetar corretamente
a sua presença e, por fim, realizar uma correta associação entre o som e a
letra correspondente.
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