quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Cultura e Sociedade

INTRODUÇÃO

O discurso sobre a cultura é actual e urgente nesses tempos que são os nossos, em que as contínuas conquistas científicas tendem a artificializar o próprio homem e a sociedade que o acolhe, com a firme ambição de tudo ‘terrenizar’, até o espirito. A situação precipitar-se-á inexoravelmente ao caos, se todos os agentes culturais não re-avaliarem as propostas vigentes, injectando novos e eficientes antídotos.
E, se descermos para o fenómeno cultural angolano, esse alerta torna-se ainda mais preponderante e impotente, como veremos na segunda parte do nosso estudo. O quadro é demasiado e tristemente desolador. Urge, de fato, fazer qualquer coisa para o bem de todos.
Por isso, a importância da cultura na vida do homem,
mediante uma definição descritiva do termo e uma enumeração das características principais que a identificam, pois, só assim é que estaremos capacitados para elaborar uma via segura e inequívoca para o nosso tão almejado projecto.
O HOMEM COMO SER CULTURAL
A cultura é uma propriedade só do homem, pelo homem e para o homem, porque é ela que faz dele um ser especificamente humano, racional, estético, crítico e eticamente empenhado; é ela que faz dele um ser cultural, categoria que harmoniza e integra os dois extremos (naturalismo e historicismo) que, ao longo da história, se foram repelindo mutuamente, como bem nota Modin:
‘‘A filosofia clássica (Platão, Aristóteles, Zenão, Plotino, etc) considerava o homem como um ser natural: constituído de uma essência imutável que lhe foi dada pela natureza, da qual ele deriva não só as leis biológicas, tuas também os ditames morais. ‘‘Age segundo a natureza’’ era o imperativo categórico da filosofia grega. Era claramente uma concepção estática do homem, fundada no primado do intelecto sobre a vontade, da contemplação sobre a praxe, da natureza sobre a história.
Esta é a grande verdade que se vai impondo paulatinamente, sem excluir as outras que a tradição filosófica foi veiculando ao longo dos séculos. De facto, não podemos reduzir o homem nem à pura natureza, nem à pura história e nem à pura cultura: ele é tudo isto numa tensão permanente de por projectualidade, fazendo dele o ‘‘grande milagre’’, porque é o único ser, na ordem dos seres criados, que possui uma natureza interminada, ou seja, uma ‘‘natureza sem natureza’’, uma natureza excêntrica, porque sempre em projecção, pois foi querido pelo seu criador’’.


CULTURA E SOCIEDADE
Em termos sociológicos e antropológicos, o conteúdo e a estrutura da cultura. Apresenta:
1.   Diferentes conceitos de cultura, localização e essência da cultura.
2.   Significado da cultura, mostrando como a capacidade cultural do homem pode levá-lo ao domínio e à manipulação do meio ambiente.
3.   Análise da cultura material, imaterial, real e ideal.
4.   Relativismo cultural, etnocentrismo, função e estrutura da cultura, facilitando a descrição e analise da mesma.
5.   Processos culturais, que possibilitam a compreensão de como se forma estruturas e se difunde a cultura.
6.   Importância do contacto entre o individuo e a sociedade na transmissão da cultura.
NATUREZA DA CULTURA
A cultura, para os antropólogos em geral, constituiu-se no ‘‘conceito básico e central de sua ciência’’, afirma Leslie A. White (In: Kahn, 1975:129).
O termo cultura (colere, cultivar ou instruir; cultus, cultivo, instrução) não se restringe ao campo da antropologia. Várias áreas do saber humano – agronomia, biologia, artes, literatura, sociologia, história, etc – valem-se dele, embora seja outra conotação.
Muitas vezes a palavra cultura é empregada para indicar o desenvolvimento do individuo por meio da educação, da instrução. Nesse caso, uma pessoa ‘‘culta’’ seria aquela que adquiriu domínio no campo intelectual ou artístico. Seria ‘‘inculta’’ a que não obteve instrução.
Os antropólogos não empregam os termos culto ou inculto, de uso popular, e nem fazem juízo de valor sobre esta ou aquela cultura, pois não consideram uma superior à outra. Elas apenas são diferentes a nível de tecnologia ou integração de seus elementos. Todas as sociedades - rurais ou urbanas, simples ou complexas – possuem cultura. Não há indivíduo humano desprovido de cultura excepto o recém-nascido e o homo ferus; um, porque ainda não sofreu o processo de endoculturação, e o outro, porque foi privado do convívio humano.
Para os antropólogos a cultura tem significado amplo: engloba os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos, em sociedade.
CONCEITUAÇÃO
Desde o final do século passado os antropólogos vem elaborando inúmeros conceitos sobre a cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado 160 definições, ainda não chegaram a um consenso sobre o significado exacto do termo. Para alguns, cultura é comportamento aprendido; para outros, não é comportamento, mas abstracção do comportamento; e para um terceiro grupo, a cultura consiste em ideias. Há os que consideram como cultura apenas os objectos imateriais, enquanto outros, ao contrário, aquilo que se refere ao material. Mas também encontram-se estudiosos que entendem por cultura tanto as coisas materiais quanto as não-materiais.
Alguns conceitos, para melhor esclarecimento, serão apresentados aqui, obedecendo a uma ordem cronológica e com as diferentes abordagens.
Edward B. Tylor (1871) foi o primeiro a formular um conceito de cultura, em sua obra cultura primitiva. Ele propôs: ‘‘ Cultura… é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, e arte, a moral, a lei, os costumes e todos outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade’’ (In: Kahn, 1975:29). O conceito de Tylor, que engloba todas as coisas e acontecimentos relativos ao homem, predominou no campo da antropologia durante várias décadas.
Para Ralph Linton (1936), a cultura de qualquer sociedade ‘‘consiste na soma total de ideias, reacções emocionais condicionadas a padrões de comportamentos habitual que seus membros adquiriram por meio da instrução ou imitação e de que todos, em maior ou menor grau, participam’’ (1959:316). Este autor atribuiu dois sentidos ao termo cultura: um, geral, significando ‘‘a herança social total da humanidade’’; outro, específico, referindo-se a ‘‘uma determinada variante da herança social’’.
Franz Boas (1938) define cultura como ‘‘a totalidade das reacções e actividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social…’’ (1964:166).
        Malinowski (1944) em Uma teoria científica da cultura, conceitua cultura ‘‘por todo globo consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes’’ (1962:43).
O mais breve dos conceitos foi formulado por Herskovits (1948), embora este não seja o único: ‘‘a parte do ambiente feita pelo homem’’ (1963:31).
Kroeber e Kluckhohn (1952), em culture: a critical review of concepts and definitions, referem-se à cultura como ‘‘uma abstracção do comportamento concreto, mas em si própria não é comportamento’’.
Beals e Hoijer (1953) também são partidários da cultura como abstracção. Afirmam eles: ‘‘a cultura é uma abstracção do comportamento e não deve ser confundida com os actos do comportamento ou com os artefactos materiais tais como ferramentas, recipientes, obras de arte e de mais instrumentos que o homem fabrica e utiliza’’ (1969:265 e seg.).
Para Félix M. Keesing (1958), a cultura é ‘‘comportamento cultivado, ou seja, a totalidade da experiência adquirida e acumulada pelo homem e transmitida socialmente, ou, ainda, o comportamento adquirido por aprendizado social’’ (1961:49).
Leslie A. White (1959), em o conceito de cultura (In: Khan, 1975:1029 e seg.), faz diferença entre comportamento e cultura. Para ele, é:
a)   Comportamento: ‘‘quando coisas e acontecimento dependentes de simbolização são considerados e interpretados face à sua relação com organismos humanos, isto é, em um contexto somático’’ – relativo ao organismo humano;
b)   Cultura: ‘‘quando coisas e acontecimentos dependentes de simbolização são considerados interpretados num contexto extra-somático, isto é, face a relação que têm entre si, ao invés de com os organismos humanos’’ – independente do organismo humano.
Dessa forma, comportamento pertence ao campo da psicologia e cultura ao campo da antropologia.
Para White, esse conceito ‘‘livra antropologia cultural das abstracções intangíveis, imperceptíveis e ontologicamente irreais e proporciona-lhe uma disciplina verdadeira sólida e observável ’’.
G. M. Foster (1962) descreve a cultura como ‘‘a forma comum e aprendida da vida, compartilhada pelos membros de uma sociedade, constante da totalidade dos instrumentos, técnicas, instituições, atitudes, crenças, motivações e sistemas de valores conhecidos pelo grupo’’ (1964:21).
Mas recentemente, Clifford Geertz (1973) propõe: ‘‘a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instituições – para governar o comportamento’’. Para ele, ‘‘mecanismos de controle’’ consiste naquilo que G.H. Mead e outros chamaram de símbolos significantes ou seja, ‘‘palavras, gestos, desenhos, sons musicais, objectos ou qualquer coisa que seja usada para impor um significado à experiência’’ (In: Geertz, 1973:37).
Esses símbolos, correntes na sociedade e transmitidos aos indivíduos – que fazem uso de alguns deles, enquanto vivem -, ‘‘permanecem em circulação’’ mesmo após a morte dessas pessoas.
Pelo visto, o conceito de cultura varia no tempo, no espaço e em sua essência. Tylor, Linton, Boas e Malinowski consideram a cultura como ideias. Para Kroeber e Kluckhohn, Beals e Hoijer ela consiste em abstracções do comportamento. Keesing e Foster a definem como comportamento aprendido. Leslie A. White apresenta uma abordagem: a cultura deve ser vista não como comportamento, mas em si mesma, ou seja, fora do organismo humano. Ele, Foster e outros englobam no conceito de cultura os elementos materiais e não materiais da cultura. A colocação de Geertz difere das anteriores, na medida em que se propõe a cultura como um ‘‘mecanismo de controle’’ do comportamento.
Essas colocações divergentes, ao longo do tempo permitem apreender a cultura como um todo, sob os vários enfoques.
A cruz, por exemplo, pode ser vista sob essas diferentes concepções:
a)   Ideias: quando se formula sua imagem na mente;
b)   Abstracção do comportamento: quando ela representa, na mente um simbolo dos cristãos;
c)   Comportamento aprendido: quando, os católicos fazem o sinal da cruz:
d)   Coisa extra-somática: quando é vista por si mesma independente da acção, tanto material quanto imaterial;
e)   Mecanismo de controle: quando a igreja a utiliza para afastar o demónio ou para obter a reverência dos fiéis.
A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob vários enfoques: ideias (conhecimento e filosofia); crenças (religião e superstição); valores (ideologia e moral); normas (costumes e leis); atitudes (preconceito e respeito ao próximo); padrões de conduta (monogamia, tabu) abstracção do comportamento (símbolos e compromissos); instituições (família e sistemas económicos); técnicas (artes e habilidades) e artefactos (machados de pedra, telefone).
Os artefactos decorrem da técnica, mas a sua utilização é condicionada pela abstracção do comportamento. As instituições ordenam os padrões de conduta que decorrem de atitudes condicionadas em normas e baseadas em valores terminados tanto pelas crenças quanto pelas ideias.
LOCALIZAÇÃO DA CULTURA
As coisas e acontecimentos que constituem, a cultura, segundo Leslie A. White, encontram-se no espaço e no tempo, e são classificados em:
a)   ‘‘Intra-orgânica: dentro de organismos humanos (conceitos, crenças, emoções, atitudes);
b)   Interorgânica: dentro dos processos de interacção social entre os seres humanos;
c)   Extra-orgânica: dentro de objectos materiais (machados, fábricas, ferrovias, vasos de cerâmica) situados fora de organismos humanos mas dentro dos padrões de interacção social entre eles’’.
Para esse autor, um item qualquer – conceito, crença, ato, objecto – deve ser considerado um elemento da cultura, desde que:
a)   Haja simbolização (representação por meio de símbolos);
b)   Seja analisado em um contexto extra-somático.

A ESSÊNCIA DA CULTURA
A cultura, para os antropólogos, de forma geral, consiste, como já foi mencionado, em ideias, abstracções e comportamentos.
Ideias. São concepções mentais de coisa concretas ou abstractas, ou seja, toda a variedade de conhecimentos e crenças teológicas, filosóficas, cientificas, tecnológicas, históricas e outras.
Exemplo: línguas, arte, mitologia, etc.
Para alguns estudiosos a cultura consiste em ideias, sendo, portanto, um fenómeno mental que inclui os objectos materiais e o comportamento observável.
Essa concepção, segundo White, é ‘‘ingénua, pré-científica e ultrapassada’’. A cultura, na verdade é constituída de ideias, mas em parte; atitudes, actos, actos evidentes, objectos e também são cultura.
Abstracções. Consiste naquilo que se encontra apenas no domínio das ideias da mente, excluindo-se totalmente as coisas materiais.
Vários autores afirmam que a cultura é uma abstracção ou consiste em abstracções, ou seja, coisas e acontecimentos não observáveis, não palpáveis, não tocáveis.
Novamente, Leslie A. White descorda dessa colocação. Para ele, abstracção significa algo ‘‘imperceptível, imponderável, intangível… ontologicamente irreal’’, o que estaria fora do campo científico.
Comportamento. São modos de agir comuns a grupos humanos ou conjunto de atitudes e reacções dos indivíduos face ao meio social.
Inúmeros antropólogos consideram a cultura como comportamento aprendido, característico dos membros da sociedade, uma vez que o comportamento instintivo é inerente aos animais em geral. Sob esse ponto de vista, os instintos, os reflexos inatos e outras formas de comportamento predeterminadas biologicamente devem ser excluídos. Cultura resulta da invenção social; é aprendida e transmitida por meio de aprendizagem e da comunicação.
Para White, os actos (acontecimentos) e os objectos (coisas) não são comportamentos humanos, mas ‘‘uma concretização do comportamento humano’’. A cultura consiste, portanto em uma serie de coisas reais que podem ser observáveis, ser examinadas num contexto extra-somático. Para ele, há três tipos de simbolados (significados):
a)   Ideias;
b)   Actos evidentes;
c)   Objectos materiais.
RELATIVISMO CULTURAL
A posição cultural relativista tem como fundamento a ideia de que os indivíduos são condicionados a um modo de vida específico e particular, por meio do processo de endoculturação. Adquire, assim, seus próprios sistemas de valores e a sua própria integridade cultural.
As culturas, de modo geral diferem uma das outras em relação aos postulados básicos, embora tenham características comuns.
Toda cultura é considerada como configuração saudável para os indivíduos que a praticam. Todos os povos formulam juízos em relação aos modos de vida diferentes dos seus. Por isso, o relativismo cultural não concorda com a ideia de normas e valores absolutos e defende o pressuposto de que as avaliações devem ser sempre relativas à própria cultura onde surgem.
Os padrões ou valores decerto ou errado, dos usos e costumes, das sociedades em geral, estão relacionados com a cultura da qual fazem parte. Dessa maneira, um costume pode ser valido em relação a um ambiente cultural e não a outro e, mesmo ser repudiado.
Exemplo: no Brasil come-se manteiga; na África, ela serve para untar o corpo. Pescoços longos (mulheres-girafas da Birmânia), lábios deformados (indígenas brasileiros), nariz furado (indianas), escarificação facial (entre australianos), deformações cranianas (índios sul-americanos) são valores culturais para essas sociedades. Esses tipos de adornos significam beleza. O infanticídio e o gerontocídio, costumes praticados em algumas culturas (esquimós), são totalmente rejeitados por outras.
ETNOCENTRISMO
O conceito de etnocentrismo acha-se intimamente relacionado ao de relativismo cultural. A posição relativista liberta o individuo das perspectivas deturpadoras do etnocentrismo que significa a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. Todos os indivíduos são portadores desse sentimento e essa tendência na avaliação cultural é julgar as culturas segundo os modelos da sua própria. A ocorrência da grande diversidade de culturas vem testemunhar que há modos de vida bons para um grupo e que já mais serviriam para outro.
Toda a referência a povos primitivos e civilizados deve ser feita em termos de cultura diferentes e não na relação superior/inferior.
O etnocentrismo pode ser manifestado no comportamento agressivo ou em atitudes de superioridade e ate de hostilidade. A discriminação, o proselitismo, a violência, a agressividade verbal são outras formas de expressar o etnocentrismo.
Entretanto o etnocentrismo apresenta um aspecto positivo, ao ser agente da valorização do próprio grupo. Seus integrantes passam a considerar e aceitar o seu modo de vida como melhor, o mais saudável o que favorece o bem-estar e a integração social.
ESTRUTURA DA CULTURA
Para analisar a cultura, alguns antropólogos desenvolveram conceitos de traços, complexos e padrões culturais.
TRAÇOS CULTURAIS
Em geral os antropólogos consideram os traços culturais como os menores elementos que permitem a descrição da cultura. Referem-se, portanto a menor unidade ou componentes significativos da cultura, que pode ser isolado no comportamento cultural. Embora os traços sejam constituídos de partes menores os itens, este não tem valores por si sós.
Exemplo: uma caneca pode existir com um objectivo definido, mas só pode funcionar como unidade cultural em sua associação com a tinta, convertendo-se assim em traços cultural. O mesmo ocorre com os óculos: precisa da associação da lente com a armação; o arco e a flecha (arma).
Alguns traços culturais são simples objectos, ou seja, cadeira, mesa, brinco, colar, machado, vestido, carro, habitação, etc. Os traços culturais não-materiais compreendem atitudes, comunicação, habilidades.
Exemplo: aperto de mão, beijo, oração, poesia, festa, técnica artesanal etc.
Nem sempre a ideia de traço é facilmente identificável em uma cultura, face à integração, total ou parcial, de suas partes. Muitas vezes, fica difícil saber quando uma ‘‘unidade mínima identificável’’ pode ser considerada um traço ou um item.
Exemplo: o feijão, como prato alimentício, é um traço cultural material; mas o feijão, como um dos ingredientes da feijoada, torna-se apenas um item dessa dieta brasileira.
Os estudiosos da cultura, na verdade, estão mais preocupados com o significado e a maneira como os traços se integram em uma cultura do que com o seu total acervo.
O mesmo material, utilizado e organizado por pessoas pertencentes a duas sociedades diversas, pode chegar a resultados diferentes; vai depender da utilização e da importância ou do valor do objecto para cada uma dessas culturas.
Exemplo: um artesão pode, com fibras de junco, confeccionar cadeiras (Brasil) ou casas (Iraque).
Em cada cultura, portanto, devem-se estudar não só os diferentes traços culturais encontrados, mas, principalmente, a relação existente entre eles. ‘‘ Todo elemento cultural (White In: Khan, 1975:140-141) tem dois aspectos: subjectivo e objectivo’’ (o objecto em si e o seu significado.
Actualmente, parece que os antropólogos têm preferido o termo elemento cultural, em substituição a traço cultural. Hoebel e Frost (1981:20 e seg.) definem elemento cultural como ‘‘a unidade reconhecidamente irredutível de padrões de comportamento aprendido ou o produto material do mesmo’’.
COMPLEXOS CULTURAIS
Complexos culturais consistem no conjunto de traços ou num grupo de traços associados, formando um todo funcional; ou ainda, um grupo de características culturais interligadas, encontrado em uma área cultural.
O complexo cultural é constituído, portanto, de um sistema interligado, interdependente e harmónico, organizado em torno de um foco de interesse central.
Cada cultura engloba um número grande e variável de complexos inter-relacionados. Dessa maneira, o complexo cultural engloba todas as actividades relacionadas com o traço cultural.
Exemplo: carnaval brasileiro, que reúne um grupo de traços ou elementos relacionados entre si, ou seja, carros alegóricos, música, dança, instrumentos musicais, desfile, organização etc. a cultura do café, que abrange técnicas agrícolas, instrumentos, meios de transporte, máquinas. O complexo do fumo, entre sociedades tribais, envolvendo cultivo, produto, e os mais variados usos sociais e cerimoniais; o complexo do casamento, da tecelagem caseira etc.
PADRÕES CULTURAIS
Padrões culturais são, segundo Herskovits (1963:231), ‘‘os contornos adquiridos pelos elementos de uma cultura, as coincidências dos padrões individuais de conduta, manifestos pelos membros de uma sociedade, que dão ao modo de vida essa coerência, continuidade e forma diferenciada’’.
O padrão resulta do agrupamento e complexos culturais de um interesse ou tema central do qual derivam o seu significado. Opadrão de comportamento consiste em uma norma comportamental, estabelecida pelos membros de determinada cultura. Essa norma é relativamente homogénea, aceita pela sociedade, e reflecte as maneiras de pensar, de agir e de sentir do grupo, assim como os objectos materiais relacionados.
Herskovits aponta dois significados nos padrões, que embora pareçam contraditórios, na verdade, são complementares:
a)   Forma: quando diz respeito às características dos elementos.
Exemplo: casas cobertas de telha e não de madeira;
b)   Psicólogo: quando se refere à conduta das pessoas.
Exemplo: comer com talher e não com pauzinhos.
Os indivíduos, através do processo de endoculturação, assimilam diferentes elementos da cultura e passam a agir de acordo com os padrões estabelecidos pelo grupo ou sociedade.
O padrão cultural é, portanto, um comportamento generalizado, estandardizado e regularizado; ele estabelece o que é aceitável ou não na conduta de uma dada cultura.
Nenhuma sociedade é totalmente homogénea. Existem padrões de comportamento distintos para homens e mulheres, para adultos e jovens. Quando os elementos de uma sociedade pensam e agem como membros de um grupo, expressam os padrões os padrões culturais do grupo.
O comportamento do individuo é influenciado pelos padrões da cultura em que vive. Embora cada pessoa tenha caracter exclusivo, devido às próprias experiencias, os padrões culturais, de diferentes sociedades, produzem tipos distintos de personalidades, característico dos membros dessas sociedades. O padrão se forma pela repetição contínua. Quando muitas pessoas, em dada sociedade, agem da mesma forma ou modo, durante um largo período de tempo, desenvolve-se um padrão cultural.
Exemplo: o matrimónio, como padrão cultural brasileiro, engloba o complexo do casamento, que inclui vários traços (cerimónia, aliança, roupas, flores, presentes, convites, agradecimentos, festa, jogar arroz nos noivos, amarrar latas no carro etc.): o complexo da vida familiar, de cuidar da casa, de criar filhos, de educar as crianças.
Ir à igreja aos domingos, participar do carnaval, assistir futebol, comer três vezes ao dia são alguns inúmeros padrões de comportamento que constituem a cultura total.
CONFIGURAÇÕES CULTURAIS
Configuração cultural consiste na integração dos diferentes traços e complexos de uma cultura, com seus valores objectivos ou mais ou menos coerentes, que lhe dão unidade.
Ruth Benedict (s. d.: 37), que introduziu a ideia de configuração cultural na antropologia escreve: ‘‘uma cultura é um modelo mais ou menos consistente de pensamento e acção. Não é apenas a soma de todas as suas partes, mas o resultado de um único arranjo e única inter-relação das partes, do que resultou uma nova entidade’’.
A configuração cultural é uma qualidade específica que caracteriza uma cultura. Tem sua origem no inter-relacionamento de suas partes.
Desse modo, a cultura deve ser vista como um todo, cujas partes estão de tal modo entrelaçadas, que a mudança em uma das partes afectará as demais. Ao estudar uma cultura, deve-se ter visão conjunta de suas instituições, costumes, usos, meios de transporte etc. que estejam influindo entre si.
Duas sociedades com a mesma soma de elementos culturais podem apresentar configurações totalmente diferentes, dependendo do modo como esses elementos estão organizados e relacionados.
Exemplo: Índios Pueblos e Navajos das Planícies (EUA).
ÁREAS CULTURAIS
As áreas culturais são territórios geográficos onde as culturas se assemelham. Os traços e complexos culturais mais significativos estão difundidos, resultando um modo peculiar e característico de seus grupos constituintes.
A área cultural refere-se a um território relativamente pequeno em face ao da sociedade global, no qual os indivíduos compartilham os mesos padrões de comportamento.
A área cultural nem sempre corresponde às divisões geográficas, administrativas ou políticas. O conceito, que a principio referia-se mais à cultura material do que a outros aspectos, tornou-se com o passar do tempo, face às pesquisas realizadas, mais abrangente.
O estudo das áreas é importante para o conhecimento de povos ágrafos ou para análise histórica das tribos antigas, a fim de descobrir a origem e difusão de traços culturais. É importante também para verificar as mudanças que ocorrem na cultura.
SUBCULTURA
O termo subcultura, em geral, significa alguma variação da cultura social total. Para Ralph Linton, a cultura é um agregado de subculturas.
Subcultura pode ser considerada como um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Embora os padrões da subcultura apresentem algumas divergências em relação à cultura central ou à outra subcultura, mantém-se coesos entre si.
A subcultura não tem conotação valorativa, ou seja, não é superior ou inferior à outra; são apenas diferentes, devido à organização e estrutura de seus elementos. Também não está necessariamente ligada a determinado espaço geográfico. Uma área cultural pode corresponder a uma subcultura, mas dificilmente ocorre o inverso, isto é, uma subcultura identificar-se com determinada área cultural.
Alguns antropólogos associam o termo subcultura a certos grupos regionais, étnicos, castas e classes sociais.
Exemplo: os quichuas do Perú, os índios das Planícies (EUA), a cultura Nordeste brasileiro.
TIPOS: FOLKWAYS, MORES E LEIS
A maneira de viver de um grupo social implica normas de comportamento, muitas delas estabelecidas há temos atrás.
As normas de comportamento social foram classificadas por Summer em duas categorias diferentes: os folways (usos) e os mores (costumes). Esta divisão dos padrões de comportamento e se estende, portanto, desde os de menor importância ate os obrigatórios e universais. Entre os usos mais frouxos e os costumes mais rigorosos forma-se um contínuo que, tendo-se em vista as variedades dentro de cada categoria, dificulta a delimitação das fronteiras entre um e outro. Esta passagem, fluida e imprecisa, torna difícil classificar alguns padrões situados nesse contínuo, por parecer pertencerem às duas categorias. Nesse caso temos as regras sobre o recato no trajar, o consumo de bebidas alcoólicas etc.
Folkways. Padrões não obrigatórios de comportamento social exterior constituem os modos colectivos de conduta, convencionais ou espontâneos, reconhecidos e aceitos pela sociedade. Praticamente, regem a maior parte da nossa vida cotidiana, sem serem deliberadamente impostos. Indicam o que é adequado ou socialmente correcto. Não têm caracter obrigatório, mas são bastante difundidos.
Segundo Summer, surgem de uma necessidade colectiva para a solução de problemas imediatos. A pessoa que infringe um folkway pode ser taxada de excêntrica, distraída, mas a infracção não constitui uma ameaça ao grupo. As sanções são brandas, quase despercebidas, como o riso, o ridículo.
Os usos não são superficiais e tampouco transitórios, mas mudam com o tempo. As mulheres de hoje, por exemplo, exercem algumas profissões que no passado eram consideradas somente como tarefas dos homens. A linguagem também muda.
Exemplos de folkways: convenções, formas de etiqueta, celebração da puberdade, estilos de construções, rituais de observância religiosa, rotinas de trabalho e lazer, convenções da arte ou da guerra, maneiras de cortejar, de vestir etc.
More. ‘‘São as normas moralmente sancionadas com vigor’’, segundo Ely Chinoy (1971:60). Constituem comportamento imperativo, tido como desejável pelo grupo, apesar de restringir e limitar a conduta. São essenciais e importantes ao bem-estar da sociedade e aparecem como normas reguladoras de toda cultura. Apesar da obrigatoriedade e imposição, são considerados justos pelo grupo que compartilha.
Os mores têm caracter activo e seu controle pode ser consciente ou inconsciente; são sancionados pela tradição e sustentados pelas pressões da opinião de grupos: ridículo, mexerico, castigos, não-aceitação. Como forma de controle natural, penetram nas relações socias. Suas normas de condutam regulam o comportamento social, restringindo, moldando e certas tendências dos indivíduos. Têm maior conteúdo emocional do que os usos.  
A não conformidade com os mores provoca desaprovação moral. A reacção do grupo é violenta e séria, como no adultério, roubo, assassínio e incesto, na sociedade ocidental. Entretanto, há amplas variações nas atitudes dos grupos em relação a essas regras, de acordo com as diferentes culturas.
Quem obedece aos costumes recebe o respeito, a aprovação, a estima pública. Quem os viola, além de do sentimento de culpa, cai no ostracismo e sua reputação sofre desvios. É apedrejado, ridicularizado, encarcerado, açoitado, exilado, degradado, excomungado, morto.
O desertor, o traidor, a mãe que abandona os filhos e o estuprador são repudiados pela sociedade, e as sanções a eles aplicadas servem mais como exemplo para os outros do que propriamente corrigenda para eles.
Exemplo de mores: actos de lealdade e patriotismo, cuidado e trato das crianças, enterro dos mortos, uso de roupas, monogamia etc., em nossa sociedade.
Os mores variam de sociedade para sociedade. Coisas terminantemente proibidas em determinadas culturas podem ser aceitas, permitidas e mesmo encorajadas em outras. Em algumas sociedades é permitido matar recém-nascidos e velhos desamparados, ter várias esposas. Esses mores, radicalmente diferentes dos conhecidos pro nós, não só escandalizam como também causam repulsa e horror.
Tanto os mores quanto os folkways estão sujeitos a mudanças que nem sempre são lentas. A escravidão é um exemplo: considerada moral do passado, é imoral hoje.
O comportamento nas sociedades simples é regulado principalmente pelos costumes; nas sociedades complexas, além dos mores, há leis.
Leis. São ‘‘regras de comportamento formuladas deliberadamente e impostas por uma autoridade especial’’, escrevem Biesanz e Biesanz (1972:58). São decretadas com a finalidade de suprir os costumes que começam a desintegrar-se, a perder seu controle sobre indivíduos. Nas sociedades pequenas e unificadas, as pressões e sanções informais são suficientes para manter o comportamento grupal; nas sociedades complexas são necessários controles, ais formais, decretados e exercidos pelas instituições politicas, jurídicas ou pelo Estado.
A linha divisória entre leis e mores também não é fácil de ser traçada, tanto nas sociedades simples quanto nas complexas. Assim como os costumes podem transformar-se em leis, estas podem tornar-se mores.
As leis servem diferentes propósitos:
a)   Impõem os mores aceitos pelo grupo cultural;
b)   Regula novas situações, fora dos costumes;
c)   Substituem costumes antigos e ineficazes;
d)   Congregam os padrões reais com os ideais e os valores imperantes.
Exemplos de mores impostos por lei ou por ela reforçados: monogamia, bem-estar da esposa e dos filhos, a punição do roubo, do estupro, do assassinato etc.
PROCESSOS CULTURAIS
Processo cultural é a maneira, consciente ou inconsciente, pela qual as coisas se realizam, se comportam ou se organizam.
As culturas mudam continuamente, assimilam novos traços ou abandonam os antigos, através de diferentes formas. Crescimento, transmissão, difusão, estagnação, declínio, fusão são aspectos aos quais as culturas estão sujeitas.
MUDANÇA CULTURAL
Mudança é qualquer alteração na cultura, sejam traços, complexos, padrões ou toda uma cultura, o que é mais raro. Pode ocorrer com maior ou menor facilidade, dependendo do grau de resistência ou aceitação. O aumento ou diminuição das populações, as migrações, os contactos com povos de culturas diferentes, as inovações científicas e tecnológicas, as catástrofes (perda de safras, epidemias, guerras), as depressões económicas, as descobertas fortuitas, a mudança violenta de governos etc. podem exercer especial influência, levando alterações significativas na cultura de uma sociedade.
Quando o número de elementos novos, adoptados supera os antigos que caíram em desuso, tem-se o crescimento da cultura. As mudanças podem ser realizadas com lentidão ou com rapidez (como ocorre actualmente, face aos meios de comunicação) devido aos contactos direitos e contínuos entre povos.
A mudança pode surgir em consequência de factores internos – endógenos (descoberta e invenção) ou externos – exógenos (difusão cultural). Assim, tem-se mudança quando:
a)   Novos elementos são agregados ou os velhos aperfeiçoados por meio de invenções;
b)   Novos elementos são tomados de empréstimos de outras sociedades;
c)   Elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, são abandonados ou substituídos;
d)   Alguns elementos, por falta de transmissão de geração em geração se perdem.
O crescimento de uma cultura não é uniforme nem contínuo, no espaço e no tempo pois está sujeito a variações.
DIFUSÃO CULTURAL
Difusão ‘‘é um processo, na dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos se difundem de uma sociedade a outra’’, afirma Hoebel e Frost (1981:445).
As condições geográficas e o isolamento são factores de impedimento à difusão cultural, que inclui três processos:
a)   Apresentação de um ou mais elementos culturais novo a uma sociedade;
b)   Citação desses elementos;
c)   Integração na cultura existente, de um ou mais elementos.


CONCLUSÃO

De tudo quanto dissemos até aqui, resulta inegável o papel importantíssimo que cultura no seu todo, joga sobre o individuo e sobre a sociedade que o alberga: mostra-me a tua cultura e dir-te-ei quem és ou que tipo de povo és, diríamos, todavia, a cultura não é tudo, como quer dar entender a mentalidade hodierna.
O homem, com efeito, não é só cultura, não se reduz ao que ele próprio produz ao mundo simbólico. O grande risco que corremos, de fato, é de consideramos o binómio natureza-cultura como polos antagónicos que se rejeitam e repelem mutuamente, criando assim na ilusão de considerar natural o que de facto é cultural, provocando, outro sim, com este modo de pensar, a banalização da própria natureza, o que desembocaria na superficialidade e suicídio do homem. Pois reduzi-lo à cultura significa acorrentá-lo na pura materialidade, em que tudo se torna secundário e relativo.   



BIBLIOGRAFIA

LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia Geral 7ª Ed.. Atlas S.A Editora, São Paulo. pp. 130-146. 2010.

IMBAMBA, José Manuel. Uma nova Cultura para Mulheres e Homens Novos – Um Projecto Filosófico para Angola do 3º Milénio à Luz da Filosofia de Battista Mondin 2ª Ed. Paulina Editora,27-30,34-39.

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