Introdução
No
presente trabalho, nos propomos abordar o tema Negritude, seus precursores,
objectivos e contornos.
Falaremos também da Negritude em Angola, comentários de alguns autores
sobre a influência da mesma, não só na Literatura, mas também na sociedade.
Escolhemos este tema porque é um tema de interesse para os estudantes de
Línguas e Literaturas e porque acreditamos que embora não tenha começado em
Angola, esta corrente literária teve também algumas implicações no nosso país.
Defendemos a hipótese de que não foi uma corrente racista, mas que
procurava apenas elevar a cultura negra ao patamar das outras.
Negritude
A Negritude tem a sua origem nos movimentos culturais
protagonizados por negros, brancos, mestiços que, desde as décadas de 10, 20,
30 (século XIX), vinham lutando por renascimento negro (busca e revalorização
das raízes culturais africanas, crioulas e populares) principalmente em três países
das Américas, Haiti, Cuba e Estados Unidos da América, mas também um pouco por
todo o lado.
A ideia de renascimento, indigenismo e negrismo surge
como consequência das luzes e do romantismo, que levaram à abolição da
escravatura e finalmente à possibilidade de, após a Revolução Francesa de 1789,
os povos supostamente poderem assumir a liberdade e igualdade.
O termo "Negritude" aparece pela primeira vez escrito por Aimé Césaire, em 1938, no seu livro de poemas, "Cahier d'un retour au pays natal"; está intimamente associado ao trabalho reivindicativo de um grupo de estudantes africanos em Paris, nos princípios da década de 30, de que se destacam como principais responsáveis e dinamizadores Léopold Sédar Senghor (1906) senegalês, Aimé Césaire (1913), martinicano, e Leon Damas (1912), ganês.
Estes autores da Negritude legaram-nos uma obra
literária da máxima importância; mas foi Senghor que, com a Presidência do seu
Pais (Senegal) e uma larga aceitação Ocidental (política literária e académica)
contribuiu decisivamente para a divulgação da Negritude.
É a Senghor que são atribuídas as primeiras tentativas
de definição do conceito de Negritude: "Conjunto dos valores culturais do
mundo negro”.
Eis alguns
valores característicos do homem negro:
Ø O homem negro é essencialmente
religioso e cultural, ritual e celebrante, porque para ele existe um ente
supremo, o "sagrado", que é o verdadeiro real
o homem negro é simbólico, porque o seu mundo é o mundo das imagens e do concreto;
o homem negro é simbólico, porque o seu mundo é o mundo das imagens e do concreto;
Ø Todas as realidades materiais,
visíveis e imediatas são anunciadoras e portadoras de outras realidades;
Ø O homem negro é o homem de coração,
porque, para além do corpo, da forca vital, da habilidade, do entendimento e de
todas as outras qualidades humanas, é ainda pelo coração que o homem se define,
que o homem vale e é julgado; para usar a categoria de um provérbio africano:
"o coração do homem é o seu rei".
Importa revelar ainda que chegou mesmo a haver grandes
figuras Ocidentais dizendo que a negritude era também um movimento racista. Mas
isso não corresponde à verdade, porque se para Césaire a "Negritude",
no início, se fez racista simplesmente para realçar os seus valores, a sua
dignidade e afirmá-los, para Senghor era ainda algo mais do que isso:
‘‘A
"Negritude" é um humanismo, porque todas as raças tinham lugar neste
universo civilizacional de inspiração do homem.’’
É de capital importância referir-se ainda que a
"Negritude" não surgiu apenas com o objectivo da recuperação da
dignidade e da personalidade do homem africano, mas também como um movimento
propulsionador da descolonização em África.
Negritude em Angola
O
colonialista considerava que o termo negro era pejorativo. O próprio africano
foi educado pelo seu colonialista no sentido de que ser negro era ser inferior.
E hoje, na fase da ascensão dos países africanos à independência, ainda o termo
negro soa a fantasma. Rebuscamos neste ponto o parecer de Jonas Savimbi sobre a
negritude:
‘‘ No meu entender, a negritude procura valores
culturais capazes de assegurar uma identidade própria dos povos africanos ou de
origem africana, para que, entrando em contactos com outras culturas se não
deixem aglutinar, não desapareçam, antes se enriqueçam com esses contactos, ao
mesmo tempo que tenham a capacidade de transmitir os seus valores a essas novas
culturas. Só têm medo da negritude aqueles que não chegaram ainda a
descolonizar-se, que ainda pensam em termos de raças exclusivas, em termos de
superioridade de raças’’.
‘‘ No meu conceito de negritude, o mundo é habitado
pelos homens. Sobretudo o mundo da cultura, é o mundo dos homens. E se a
cultura é o instrumento fundamental da ideia e da ideologia, os desculturados
caem facilmente no fanatismo de assimilação de culturas ou de ideologias que
lhes são alheias. Os povos sem cultura não podem estar capacitados para o
diálogo, ao nível universal’’.
A primeira fase da entrada da
cultura portuguesa em Angola, com o colonialismo, foi um contacto de força, um
contacto alienatório e eliminatório, que não teve em consideração os valores
que a cultura angolana, que é negro-africana, podia encerrar. Não se fez o
reconhecimento desses valores, que existiam, que existem, porque resistiram à
invasão de valores culturais melhor estruturados e expressos.
Afinal, a
negritude não reivindica para si nenhum exclusivismo. Reivindica, sim, uma base
cultural, que identifique povos africanos ou de origem africana, para lhes
permitir, na pesquisa permanente dos seus valores e na conservação dos mesmos,
libertar-se do complexo de inferioridade cultural e ensinar outros povos a
abandonarem o preconceito de superioridade cultural que têm para que, no
conceito universalista do mundo de culturas, a cultura negro-africana contribua
com algo para o equilíbrio e o ajustamento da cultura universal. Se uma cultura
conhece e desenvolve os seus próprios valores perde o complexo de
inferioridade. E no contacto com outras culturas, no mundo que se fez cada vez
mais pequeno, devido ao desenvolvimento das vias de comunicação, esse contacto
não provocará aglutinações eliminatórias, antes trará enriquecimentos.
Negritude na Periodização da Literatura Angolana
Na literatura angolana
a negritude corresponde ao 4º período de acordo com Pires Laranjeira (pp. 36) e
que passamos a citar:
‘‘ Entre 1948 e 1960, fulcral na Formação da literatura, enquanto
componente imprescindível da consciência africana e nacional. Época decisiva,
considerada unanimemente como a da organização literária da nação, com base em
movimentos como o MNIA, o da Cultura e o da CEI, além de outros contributos,
como o das Edições Imbondeiro (de Sá da Bandeira). O Neo-realismo cruza-se com a Negritude. Com os ventos de certa
abertura e descompressão da política internacional, a seguir à II Guerra
Mundial, na Europa, como em África, animam-se as hostes angolanas empenhadas em
libertar-se das malhas estreitas da política colonial e, portanto, de uma
cultura alienada do meio africano. É nesse contexto brevemente favorável que
surge uma actividade marcada já fortemente por um desejo de emancipação, em
sintonia com os estudantes que, na Europa, davam conta de que, aos olhos da
cultura ocidental, não passavam todos de «cidadãos portugueses de segunda’’.
Na década de 1950, a poesia é a forma que
mais convém. Aproveitam-se as
conquistas do modernismo, com o verso livre e os temas arrojados, e
toma-se o exemplo dos grandes bardos criadores de longos textos, quase
excessivos, por vezes a tenderem para o prosaico, como Walt Whitman,
Maiakovsky, Álvaro de Campos, Nazim Hikmet ou Pablo Neruda. O caminho poético
pode assim congraçar as três vertentes
de júbilo ideológico: o povo, a classe e a raça. O povo é negro,
trabalhador, explorado e oprimido. Numa palavra: colonizado. Fundamentalmente,
traça-se o quadro ou alude-se a figuras paradigmáticas de colonizados:
contratados, prostitutas, escravos, moleques, ardinas, lavadeiras, estivadores,
analfabetos, serviçais, etc. Pertencem à raça negra ou, no máximo, são mulatos,
mas raros. A Negritude concede-lhes o sentimento de exaltação da raça negra, nomeadamente
na solidariedade com os negros do Novo Mundo e, por outro lado, sublinha o
reconhecimento das raízes, que são étnicas, tribais, mergulhando nos milénios.
Conclusão
A
conclusão teórica a retirar é que, também nesta matéria a da negritude
africana, se construíram correntes doutrinais, culturais e estéticas não
inteiramente devedoras dos modelos fundacionais, fossem eles francófonos ou
anglófonos. Resta saber se, enquanto se ganhavam especificidades próprias, algo
se perdia por esse desconhecimento.
No
manifesto do «elogio da crioulidade», pode ler-se: «Aimé Césaire restituiu a
mãe África, a África matriz, a civilização negra a um mundo totalmente racista,
automutilado pelas cirurgias coloniais».
Bibliografia
LARANJEIRA, Pires - Literaturas
Africanas de Expressão Portuguesa (vol. 64), Lisboa, Universidade Aberta,
1995, pp.36-43
SAVIMBI, Jonas Malheiro
– Angola: A Resistência em busca de uma nova Nação, Agência portuguesa de
revistas 1979.
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