terça-feira, 24 de junho de 2014

Negritude



Introdução
            No presente trabalho, nos propomos abordar o tema Negritude, seus precursores, objectivos e contornos.
Falaremos também da Negritude em Angola, comentários de alguns autores sobre a influência da mesma, não só na Literatura, mas também na sociedade.
Escolhemos este tema porque é um tema de interesse para os estudantes de Línguas e Literaturas e porque acreditamos que embora não tenha começado em Angola, esta corrente literária teve também algumas implicações no nosso país.
Procuraremos responder a questão: A Negritude foi uma corrente racista?
Defendemos a hipótese de que não foi uma corrente racista, mas que procurava apenas elevar a cultura negra ao patamar das outras.
Negritude
A Negritude tem a sua origem nos movimentos culturais protagonizados por negros, brancos, mestiços que, desde as décadas de 10, 20, 30 (século XIX), vinham lutando por renascimento negro (busca e revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares) principalmente em três países das Américas, Haiti, Cuba e Estados Unidos da América, mas também um pouco por todo o lado.

A ideia de renascimento, indigenismo e negrismo surge como consequência das luzes e do romantismo, que levaram à abolição da escravatura e finalmente à possibilidade de, após a Revolução Francesa de 1789, os povos supostamente poderem assumir a liberdade e igualdade.

            O termo "Negritude" aparece pela primeira vez escrito por Aimé Césaire, em 1938, no seu livro de poemas, "Cahier d'un retour au pays natal"; está intimamente associado ao trabalho reivindicativo de um grupo de estudantes africanos em Paris, nos princípios da década de 30, de que se destacam como principais responsáveis e dinamizadores Léopold Sédar Senghor (1906) senegalês, Aimé Césaire (1913), martinicano, e Leon Damas (1912), ganês.

Estes autores da Negritude legaram-nos uma obra literária da máxima importância; mas foi Senghor que, com a Presidência do seu Pais (Senegal) e uma larga aceitação Ocidental (política literária e académica) contribuiu decisivamente para a divulgação da Negritude.

É a Senghor que são atribuídas as primeiras tentativas de definição do conceito de Negritude: "Conjunto dos valores culturais do mundo negro”.

Eis alguns valores característicos do homem negro:

Ø  O homem negro é essencialmente religioso e cultural, ritual e celebrante, porque para ele existe um ente supremo, o "sagrado", que é o verdadeiro real
o homem negro é simbólico, porque o seu mundo é o mundo das imagens e do concreto;

Ø  Todas as realidades materiais, visíveis e imediatas são anunciadoras e portadoras de outras realidades;
Ø  O homem negro é o homem de coração, porque, para além do corpo, da forca vital, da habilidade, do entendimento e de todas as outras qualidades humanas, é ainda pelo coração que o homem se define, que o homem vale e é julgado; para usar a categoria de um provérbio africano: "o coração do homem é o seu rei".

Importa revelar ainda que chegou mesmo a haver grandes figuras Ocidentais dizendo que a negritude era também um movimento racista. Mas isso não corresponde à verdade, porque se para Césaire a "Negritude", no início, se fez racista simplesmente para realçar os seus valores, a sua dignidade e afirmá-los, para Senghor era ainda algo mais do que isso:

‘‘A "Negritude" é um humanismo, porque todas as raças tinham lugar neste universo civilizacional de inspiração do homem.’’

É de capital importância referir-se ainda que a "Negritude" não surgiu apenas com o objectivo da recuperação da dignidade e da personalidade do homem africano, mas também como um movimento propulsionador da descolonização em África.

Negritude em Angola
O colonialista considerava que o termo negro era pejorativo. O próprio africano foi educado pelo seu colonialista no sentido de que ser negro era ser inferior. E hoje, na fase da ascensão dos países africanos à independência, ainda o termo negro soa a fantasma. Rebuscamos neste ponto o parecer de Jonas Savimbi sobre a negritude:
‘‘ No meu entender, a negritude procura valores culturais capazes de assegurar uma identidade própria dos povos africanos ou de origem africana, para que, entrando em contactos com outras culturas se não deixem aglutinar, não desapareçam, antes se enriqueçam com esses contactos, ao mesmo tempo que tenham a capacidade de transmitir os seus valores a essas novas culturas. Só têm medo da negritude aqueles que não chegaram ainda a descolonizar-se, que ainda pensam em termos de raças exclusivas, em termos de superioridade de raças’’.
‘‘ No meu conceito de negritude, o mundo é habitado pelos homens. Sobretudo o mundo da cultura, é o mundo dos homens. E se a cultura é o instrumento fundamental da ideia e da ideologia, os desculturados caem facilmente no fanatismo de assimilação de culturas ou de ideologias que lhes são alheias. Os povos sem cultura não podem estar capacitados para o diálogo, ao nível universal’’.
A primeira fase da entrada da cultura portuguesa em Angola, com o colonialismo, foi um contacto de força, um contacto alienatório e eliminatório, que não teve em consideração os valores que a cultura angolana, que é negro-africana, podia encerrar. Não se fez o reconhecimento desses valores, que existiam, que existem, porque resistiram à invasão de valores culturais melhor estruturados e expressos.
Afinal, a negritude não reivindica para si nenhum exclusivismo. Reivindica, sim, uma base cultural, que identifique povos africanos ou de origem africana, para lhes permitir, na pesquisa permanente dos seus valores e na conservação dos mesmos, libertar-se do complexo de inferioridade cultural e ensinar outros povos a abandonarem o preconceito de superioridade cultural que têm para que, no conceito universalista do mundo de culturas, a cultura negro-africana contribua com algo para o equilíbrio e o ajustamento da cultura universal. Se uma cultura conhece e desenvolve os seus próprios valores perde o complexo de inferioridade. E no contacto com outras culturas, no mundo que se fez cada vez mais pequeno, devido ao desenvolvimento das vias de comunicação, esse contacto não provocará aglutinações eliminatórias, antes trará enriquecimentos.
Negritude na Periodização da Literatura Angolana
Na literatura angolana a negritude corresponde ao 4º período de acordo com Pires Laranjeira (pp. 36) e que passamos a citar:
‘‘ Entre 1948 e 1960, fulcral na Formação da literatura, enquanto componente imprescindível da consciência africana e nacional. Época decisiva, considerada unanimemente como a da organização literária da nação, com base em movimentos como o MNIA, o da Cultura e o da CEI, além de outros contributos, como o das Edições Imbondeiro (de Sá da Bandeira). O Neo-realismo cruza-se com a Negritude. Com os ventos de certa abertura e descompressão da política internacional, a seguir à II Guerra Mundial, na Europa, como em África, animam-se as hostes angolanas empenhadas em libertar-se das malhas estreitas da política colonial e, portanto, de uma cultura alienada do meio africano. É nesse contexto brevemente favorável que surge uma actividade marcada já fortemente por um desejo de emancipação, em sintonia com os estudantes que, na Europa, davam conta de que, aos olhos da cultura ocidental, não passavam todos de «cidadãos portugueses de segunda’’.
Na década de 1950, a poesia é a forma que mais convém. Aproveitam-se as conquistas do modernismo, com o verso livre e os temas arrojados, e toma-se o exemplo dos grandes bardos criadores de longos textos, quase excessivos, por vezes a tenderem para o prosaico, como Walt Whitman, Maiakovsky, Álvaro de Campos, Nazim Hikmet ou Pablo Neruda. O caminho poético pode assim congraçar as três vertentes de júbilo ideológico: o povo, a classe e a raça. O povo é negro, trabalhador, explorado e oprimido. Numa palavra: colonizado. Fundamentalmente, traça-se o quadro ou alude-se a figuras paradigmáticas de colonizados: contratados, prostitutas, escravos, moleques, ardinas, lavadeiras, estivadores, analfabetos, serviçais, etc. Pertencem à raça negra ou, no máximo, são mulatos, mas raros. A Negritude concede-lhes o sentimento de exaltação da raça negra, nomeadamente na solidariedade com os negros do Novo Mundo e, por outro lado, sublinha o reconhecimento das raízes, que são étnicas, tribais, mergulhando nos milénios.

Conclusão
A conclusão teórica a retirar é que, também nesta matéria a da negritude africana, se construíram correntes doutrinais, culturais e estéticas não inteiramente devedoras dos modelos fundacionais, fossem eles francófonos ou anglófonos. Resta saber se, enquanto se ganhavam especificidades próprias, algo se perdia por esse desconhecimento.
No manifesto do «elogio da crioulidade», pode ler-se: «Aimé Césaire restituiu a mãe África, a África matriz, a civilização negra a um mundo totalmente racista, automutilado pelas cirurgias coloniais».


Bibliografia
LARANJEIRA, Pires - Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (vol. 64), Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp.36-43
SAVIMBI, Jonas Malheiro – Angola: A Resistência em busca de uma nova Nação, Agência portuguesa de revistas 1979.

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